FRENTE DE BATALHA A TRILOGIA
Fazendo Linguiças – Parte II da Trilogia.
As aventuras do Capitão Dorian Alkon na linha de frente do Quadrante Gamma.
Por Marcos De Chiara
PARTE SETE
A viagem na USS Protheus estava calma e fascinante.
Timothy Barinni só havia ido ao espaço duas vezes na vida. A primeira foi
quando tinha doze anos em uma excursão escolar de História. Tratava-se de uma
viagem à Lua para aprenderem sobre exploração espacial. A segunda foi em lua de
mel em um cruzeiro até Altair. Depois disso nunca mais saiu da Terra e julgava
não precisar já que tinha acesso a todos os cantos do espaço através do milagre
das telecomunicações e de seus contatos dentro da Frota Estelar. Mas o real
motivo era que Timothy sofria de enjôo espacial. Um bom motivo para ficar na
Terra.
Observava o espaço através de uma
escotilha do observatório quando foi abordado pela capitã Sobieski.
- Você deve ser o Sr.
Barinni...Procurando material para a sua reportagem?
- Oh, olá capitã. – cumprimentou ao
observar o distintivo da patente daquela mulher alta e morena – Muito prazer.
Eu apenas me perguntava como é que se sabe se estamos de cabeça para cima ou de
cabeça para baixo.
- Não sabemos. A graça está aí. –
brincou a capitã. – Desculpe não tê-lo recebido antes. Estava muito atarefada
com os procedimentos de partida. Sabe como é...Nave nova, cuidados extremos.
- Não tem importância, capitã. Eu
compreendo. O seu primeiro oficial, o senhor Ian O ´Malley, foi muito
atencioso.
- Se ele não fosse iria se ver comigo.
– disse ela em tom de brincadeira – Espero que estejam bem acomodados.
Infelizmente não poderei providenciar um tour pela nave por questão de
segurança, mas se o senhor ou sua família ficarem entediados sugiro uma visita
a um dos holodecks da nave. Temos programas interessantes. Poderão até fazer um
piquenique por lá! Por falar nisso onde estão a sua mulher e filhos?
- Em um piquenique no holodeck três. –
sorri Barinni com certo constrangimento.
- Ah, sei... – a capitão também fica um
pouco desconfortável com a resposta.
- Não leve a mal, capitão. Não é nada
pessoal com a sua nave. Na verdade ficamos muito impressionados com ela desde
quando a vimos na doca espacial. É uma classe nova, um novo design e dizem que
possui uma arma secreta contra os inimigos.
- Isto é uma entrevista?
- Desculpe. É a força do hábito. Sei
que é um projeto novo do corpo de engenheiros da Frota e que nem deveríamos
estar aqui. Só fiquei curioso.
- Quem não ficaria? Ainda mais um
repórter com a sua reputação. Só aconselho para se manter nas áreas de circulação
livre e não teremos problemas. Quanto a sua presença aqui agradeça ao almirante
Toddman e aos Médicos Sem Fronteiras, a instituição na qual a sua mulher
trabalha. De outra forma nenhum civil subiria à bordo no estado político atual.
Mas o senhor ainda não me disse por que estava aqui sozinho no observatório.
- Enjôo espacial. Infelizmente quem
projetou os holodecks esqueceu de colocar banheiros neles.
- Compreendo. Seria uma boa sugestão
para o corpo de engenheiros da Frota. Ou poderia dar uma boa reportagem para a
INN.
- “A falta de banheiros em naves estelares!”
- brinca Barinni com uma fictícia
manchete.
A capitão ri da piada. – Quanto ao seu enjôo creio
que o nosso médico poderia lhe receitar alguma coisa.
- Passarei na enfermaria assim que o meu
piquenique acabar. Acho melhor ir andando antes que minha mulher fique
preocupada com a minha demora.
- É muito sensato de sua parte.
Avise-os que estão todos convidados para o jantar no salão dos oficiais esta
noite. Nove horas está bem?
- Oh, claro capitão. Para mim está
ótimo. Avisarei. Obrigado pelo convite. Até mais então. – Barinni sai do
observatório apressadamente.
A capitão Sobieski observou o repórter
até ele sair. Algo dizia que teria problemas durante a viagem. Um homem como
ele era irrequieto demais para ficar apenas em alojamento – refeitório –
holodeck. Precisaria avisar a segurança da nave para ficar de o olho nele.
Timothy Barinni sabia que a capitão ficaria de olho nele. Se
ele fosse ela ficaria. Ele era um homem de ação. Não ficaria toda a viagem
fazendo piqueniques. Quando ouvia a palavra “proibido” sua veia jornalística
saltava. O problema era comprometer a sua família. Quando estava perto deles
não se sentia à vontade para fazer o seu trabalho. Mas como a sua mulher lhe
disse antes de partir...”Esta será uma boa oportunidade para aprender algo
sobre convivência familiar”.
Ao retornar para o holodeck adentrou em uma paisagem de um bosque
tranqüilo com canto de pássaros e um pequeno lago onde patos eram alimentados
com miolo de pão pelos seus dois filhos. Deitada sobre uma toalha xadrez estava
sua esposa repousando, alheia às estripulias de seus rebentos. Timothy
aproximou-se devagar, ajoelhou-se próximo à ela e a beijou na testa. Liz abriu
os olhos.
- Oh....Meu príncipe retornou...- disse
ela quase num murmúrio.
- Oi princesa. Os garotos se
comportaram?
- Eles estão amando. Por que demorou ?
Você está melhor ?
- Sim, um pouco. Estive dando umas
voltas por aí.
- Lembre-se do que o imediato falou.
Andar somente nas áreas permitidas. Se te pegam em algum lugar não permitido
vai passar o resto da viagem em confinamento e adeus reportagem.
- Já pegaram. Ou melhor... Quase.
Encontrei-me com a capitão. Na verdade ela me encontrou.
- Oh Deus, Tim...Você não estava
fazendo nada errado, não é? – Liz sentou-se sobressaltada com a confissão do
marido.
- Não, claro que não. Acalme-se. Ela
apenas advertiu-me em não pensar em meter o nariz onde não sou chamado. E
depois nos convidou para jantar. Na verdade foi quase uma ordem. Ela parece ser
uma mulher durona, porém simpática. Intrigante, não?
- Será que preciso ir com alguma roupa
especial? Eu não trouxe nada de gala.
- Qualquer coisa poderemos pedir pelo
sintetizador. Mas acredito que o traje seja formal. Está gostando da viagem ? –
Barinni muda de assunto.
- O holodeck faz nossos sonhos quase
virarem uma realidade. É o que tem me distraído e às crianças nestes dois dias
de viagem. Eu poderia passar o resto da vida aqui. Tudo é tão calmo...Tão
perfeito... – comenta Liz.
- Eu também poderia ficar por aqui um
bom tempo.
- Sério? Estou te estranhando.
Computador. Informe quantos humanos estão dentro do holodeck neste momento.
<Quatro seres humanos estão
presentes.>
- Muito engraçado, Liz. – Barinni não
gostou muito da brincadeira.
- Desculpe, amor. Mas tinha que me
certificar. – Ela o abraçou e beijou-lhe a nuca – Afinal você ficar relaxando
em uma paisagem bucólica não é de sua natureza. Admita.
- Você está certa. Na verdade estou
ansioso para chegarmos logo. Não consigo ficar muito tempo sem ter o que fazer.
Além do mais ainda me sinto culpado por ter arrastado vocês para a minha
loucura.
- Ei! A loucura foi nossa. Eu concordei
com isso. Estou até atuando pelos Médicos Sem Fronteiras! Deus sabe que
precisava voltar a trabalhar. É uma grande oportunidade e responsabilidade. Não
exerço a medicina desde quando engravidei do Michael. E agora terei a chance de
provar para mim mesma que ainda sou capaz. – ela percebia o desconforto de seu
marido – Querido... Eu também me sinto culpada por trazer nossos filhos para
uma zona de guerra, mas como você mesmo disse, a verdade precisa ser contada.
Eu estou aqui porque quero fazer a minha parte.
- Nós somos loucos e egoístas. Talvez
devamos pegar o primeiro vôo de volta à Terra quando chegarmos à base 375.
- Chegamos longe demais para dar pra
trás agora. Somos uma família e juramos ficar juntos na alegria e na tristeza.
Nos tempos fáceis e difíceis, lembra-se?
- Só penso se é justo com eles... – diz
Barinni se referindo aos seus filhos que estavam brincando a beira do lago.
- Ei...Somos uma família. Eles também
fazem parte dela. Afinal quem poderia protegê-los melhor além de nós mesmos?
- A Kobliad que Omala enviou? – brinca
Barinni.
Liz ri. A segurança pessoal era de uma
espécie pouco amigável, mas extremamente cuidadosa e cumpridora contumaz de
seus contratos. Havia sido contratada para tomar conta do sobrinho de Omala e
assim estava fazendo desde que vieram à bordo. Não o deixava nem por um
segundo. A família Barinni era um sub-contrato que daria atenção no momento
necessário. Assumira que a Frota estava suprindo a segurança necessária até
chegarem ao sistema bajoriano.
- Por falar nisso onde eles estão? –
perguntou Liz.
- Confinados no alojamento. A Kobliad
não acha seguro ele ficar circulando pela nave.
- Pelo menos está fazendo jus ao que
seu chefe está pagando. - Agora era a
vez de Liz mudar de assunto. - Então
quais são seus planos?
- Se te contar terei que te matar. –
brincou Barinni insinuando que não podia revelar nada sobre o que estava
pretendendo fazer.
- Fale sério... – clamou sua esposa.
- Na verdade eu ainda não sei. Espero
ter alguns insights quando chegarmos. Vou esperar os acontecimentos se desenrolarem e documentá-los.
- Não se preocupe. Tudo vai dar certo.
– disse Liz abraçando-o. – Podemos conseguir muita coisas com essa viagem. Pra
começar estamos sendo uma família de novo.
- Nós nunca deixamos de ser. –
protestou Barinni.
- Lá vamos nós de novo...- reclamou Liz
antevendo um início de uma nova discussão.
- Eu nunca quis deixá-los fora da minha
vida.
- Mas acabava deixando mesmo assim.
- Isto não é verdade. – Barinni não
queria admitir seu erro.
- Eu não quero brigar. Não podemos
simplesmente ficar aqui quietinhos respirando o ar puro? – suplica Liz.
- Liz... Eu nunca quis magoar você ou
os meninos. As minhas ausências eram por causa do meu temperamento hiperativo.
Sou movido a desafios. Quando vejo uma história que deva ser contada eu esqueço
do resto.
- Eu sei. Mas desta vez será diferente.
Você tem a mim e aos garotos. – De repente Liz para e um pensamento lhe vem à
tona. – É por causa disso o seu desconforto? O enjôo espacial? Você está
preocupado com a nossa segurança e com medo de não poder fazer o seu trabalho?
- Em parte talvez seja verdade.
- Então eu e as crianças somos um fardo
para você. – Liz se levanta aborrecida. – Por que então insistiu para que
viéssemos?
- Eu queria...Eu quero dar uma chance
para nós. Ei, você não tinha acabado de dizer que não queria brigar?
- Timothy Barinni você é incorrigível!
– sorri Liz ainda enxugando algumas lágrimas do rosto. Timothy se aproxima e a
abraça.
- Não quero deixá-la triste ou
aborrecida. É que só de pensar que teremos que ficar três semanas nesta nave
está me deixando...
- Louco? – completa ela.
- Desconfortável. – corrige ele.
- Um bom eufemismo...Em breve você
estará trabalhando e ficará bem. Enquanto isso você terá a mim e aos meninos.
Há muito tempo que não temos um tempo para a família. Venho esperando por isso
há pelo menos cinco anos e não quero desperdiçar nenhum minuto. – ela o beija
selando a paz.
- Você está certa. Eu reconheço que não
tenho sido justo com você e com as crianças ultimamente. Não vou fazer falsas
promessas, mas vou me esforçar em não pensar tanto no trabalho. Na verdade
é em vocês que eu penso o tempo todo
quando estou fora fazendo as minhas reportagens. É de vocês que retiro forças
para continuar fazendo o que eu faço.
- Oh, Tim... – Liz fica emocionada com
a declaração do marido e o beija ardorosamente. Contudo a cena romântica é
interrompida com a aproximação dos seus filhos aos berros.
- Pai! Pai! Encontramos uma caverna!
Vamos explorá-la? – disse o pequeno e curioso Michael.
- Uma caverna? Que legal! Me mostra
onde é. – Um sorridente Timothy Barinni
é levado pelas pequenas mãos de seus filhos para longe de sua esposa e de sua
crise existencial.
Liz observa o entardecer artificial e
seu marido brincando com os filhos. Gostaria de congelar aquela cena para
sempre. Infelizmente a vida real não podia ser programada.
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