sábado, 30 de julho de 2016

FRENTE DE BATALHA 2 - FAZENDO LINGUIÇAS - 6



FRENTE DE BATALHA A TRILOGIA
Fazendo Linguiças – Parte II da Trilogia.
As aventuras do Capitão Dorian Alkon na linha de frente do Quadrante Gamma.
Por Marcos De Chiara

PARTE SEIS

          
USS Albedo
Doca Interna -  Base 375

Klag estava em seus aposentos usando um terminal de computador. Lia uma mensagem que lhe fora enviada secretamente, pois, para todos os efeitos, ele não mais existia. Contudo ele precisava saber como estavam seus parentes em Q´NoS. Sobretudo ele precisava confirmar o quão era verdadeira a visão que tivera em seu ritual de Maj´Qa do ano passado.[1] Pela cara que fazia não estava gostando nada do que estava lendo. De repente a campainha do seu alojamento tocou. Não podia imaginar quem poderia ser àquela hora. Certificou-se em apagar a mensagem e desligar o monitor. Ajeitou o seu robe apertando bem a faixa em sua cintura, caminhou até a porta e abriu-a. Era a tenente Allison Saint-John com uma fisionomia preocupada.
- Oi Grandão. Posso entrar? – disse ela amigavelmente.
Klag não gostava que o chamassem por apelidos. Na verdade ele não era dado a intimidades com qualquer tripulante à bordo. Todavia permitia esta liberdade à Allison porque passou a considerá-la como amiga e por estar em dívida de honra com ela por não ter conseguido protegê-la devidamente quando estiveram juntos em sua primeira missão.[2] Vez por outra Allison procurava se aconselhar com ele. Parecia que ela o via como um guerreiro experiente e capaz de dar bons conselhos. Ele havia sido a primeira pessoa que ela tivera contato quando há dois anos atrás foram comissionados na USS Babel e desde então se tornaram amigos. Na verdade ele poderia dizer que ela era a sua única amiga à bordo. Os outros eles simplesmente respeitava como companheiros de farda.
- Está meio tarde, tenente, o que quer? – disse ele em meio a um grunhido de insatisfação.
- Você é tão receptivo... – ironizou a jovem – Estou sem sono e preciso conversar com alguém.
- Creio que o tenente McCormick seria todo ouvidos. – disse se referindo a relação que havia entre os dois.
Allison sorriu e o encarou como se estivesse dizendo com os olhos: “Você vai me deixar entrar ou não?”
- Entre. – disse ele finalmente desobstruindo a porta. Allison passou por ele cabisbaixa. Enrolou o cabelo e ficou parada olhando ao seu redor. Os alojamentos da Albedo não eram tão grandes quanto o da classe Akira ou de uma classe Galaxy, mas eram confortáveis. Pelo menos os dos oficiais superiores. Consistia em uma pequena saleta com duas poltronas, um pequeno sofá, uma mesa com duas cadeiras para fazer as refeições, com um sintetizador de alimentos na parede e um quarto contíguo que era uma suíte. Neste havia uma cama, um pequeno armário embutido, uma bancada com uma cadeira e um monitor .
A jovem tenente ainda tentava buscar as palavras certas para iniciar a conversa.
Klag postou-se a sua frente e procurou iniciar um diálogo.
- Para quem queria conversar você está muito calada.
- É que eu não sei por onde começar.
- Escute, tenente...Eu não sou um bom ouvinte nem conselheiro. Talvez fosse melhor procurar a doutora T´Vel.
- Não. Ela também não serve. Preciso do ponto de vista klingon.
- Bom, neste caso parece que sou o mais indicado. – Klag era o único klingon à bordo da nave. – Sente-se. – convidou-a sem ter outra alternativa.
- Obrigada.
Klag sentou-se na poltrona à sua frente e perguntou:
- Do que se trata?
- É sobre esta missão para a qual estão nos preparando. Estou um pouco apreensiva quanto à ela.
- Até onde eu sei , ela foi cancelada.
- Zagar escutou que nos mandarão mesmo assim. Temo ser uma armadilha preparada pelo Dominion. Acho que estou ficando meio paranóica.
O jovem elaysiano oficial de comunicações deveria ser transferido para a inteligência da Frota. Daria um ótimo espião.
- Quando ele escutou isso? – perguntou curioso.
- Não sei, mas se for verdade, o que faremos?
- Executaremos a missão conforme fomos treinados. – respondeu com firmeza. Porém Klag não sentiu confiança na jovem. Resolveu que deveria encorajá-la.
- Você é uma oficial treinada. O seu rendimento no simulador foi satisfatório. Não há o que temer.
- Você diz isso porque tem alma de guerreiro. Eu não. Eu gosto de pilotar naves. É o que sei fazer de melhor. Não me sinto bem atirando em outros seres vivos. Eu respeito a vida. Seja de quem for. Eu queria saber de você como é possível não se importar com as vidas de quem você irá destruir ?
Klag notou a visão errada que sua colega possuía dele e da cultura klingon.
- Tenente...Um guerreiro klingon valoriza a vida de seu oponente. Se, em batalha, ele tiver que tomar a sua vida, isto será um privilégio para ele. Não há honra em matar fracos ou inocentes. Se um guerreiro tiver que matar alguém, este será um outro guerreiro que, por sua vez, está disposto a morrer para defender  sua posição ou seu ideal.
- Então é só eu pensar que o cara está lá para me matar, então agirei em legítima defesa, é isso? Parece ser uma boa desculpa. Oh, meu Deus! Não sei se serei capaz... – Allison abaixa a cabeça e esconde a face entre as mãos.
- Você nunca matou ninguém em combate corpo-a-corpo, não é mesmo?
- Bom...Você sabe...Já estive em batalhas antes...Como a do ano passado, mas não é a mesma coisa. Eu estava em uma nave e... – ela fez uma pausa – Não. Nunca. – respondeu finalmente.
- Se você está insegura eu posso falar com o capitão e ...
- Não, não. Não quero decepcioná-lo. Ele já se arriscou tanto por nós.
- O caso é que você poderá colocar a missão em risco. Se hesitar no campo de batalha isto comprometerá a vida de um companheiro. Por acaso não está assim por causa do seu relacionamento com o tenente McCormick está? – perguntou Klag sem temer em ser indiscreto.
- Não. Eu sei que ele sabe se cuidar. Desculpe ter incomodado. – diz ela se levantando – Devo estar com TPB.
- TPB? – Klag não entendera do que a tenente estava falando.
- Tensão pré-batalha. Talvez você esteja certo. Acho melhor procurar a doutora T´Vel. Talvez ela possa me dar alguma coisa...
- Coragem não vem em hiposprays. Você terá que consegui-la de dentro de você mesmo. – ponderou Klag.
Allison sorriu e abraçou o amigo. Tal atitude surpreendeu o aparente insensível klingon.
- Sabe Klag eu o considero um amigo e sua opinião é muito importante para mim, você sabe. Obrigada pelos conselhos. Vou refletir sobre tudo que me disse. Sei que para ser uma guerreira eu vou precisar querer ser uma. Vai ser difícil, mas vou tentar. – Allison caminhou até a porta e parou quando ela abriu. Respirou fundo, hesitou por um momento, mas acabou seguindo o caminho de volta à sua cabine.
Klag ficou satisfeito em saber o quanto Allison o considerava. Era mais um laço que o prendia àquela nave e àquelas pessoas. Isto talvez o distanciasse mais ainda de seu planeta natal e de Lurga, seu amor.


Alkon estava sozinho na ponte da Albedo tomando uma xícara de café e olhando para a tela principal desligada quando a doutora T´Vel apareceu. Alkon a cumprimentou sem sequer olhar para ela.
- Olá doutora. Está sem sono também?
- Vejo que suas habilidades psi estão se desenvolvendo. Estava à sua procura...
- Para saber como estou me portando quanto ao progresso de Sarah.
- Prefere continuar a conversa por telepatia? Creio que possa fazê-lo apesar de não praticar a algum tempo. – disse a doutora com certa ironia ao perceber que havia sido invadida mentalmente. Isto era uma grande ofensa para os vulcanos.
- Desculpe a amargura. Não pretendia ler seus pensamentos. É que às vezes eles me são tão audíveis que é impossível bloqueá-los. Principalmente sem a medicação que eu tomava. Estou preocupado com a missão.
- Como já sabe eu, ao contrário, não estou preocupada com isso agora. É sobre o seu comportamento para com a comandante que eu vim discutir. Por que você sempre arranja uma desculpa para não vê-la e quando está com ela arranja outra para ir embora o mais rápido possível? – T´Vel se sentou na cadeira de comando ao seu lado.
Alkon achava que ninguém perceberia isto. É claro que ele subestimara o poder de percepção da doutora.
- Eu olho para ela e não vejo mais a minha Sarah. Ela é uma estranha para mim. É muito doloroso perceber que o que tínhamos juntos...Acabou.
- Não, não acabou. O amor que vocês sentem um pelo outro ainda está lá no fundo da mente dela. Algum dia ele irá reaparecer.
Alkon levantou-se e caminhou pela ponte, olhou alguns instrumentos e por fim encarou a doutora.
- Quando? – perguntou o capitão.
- Impossível precisar. Eu e o doutor acreditamos que ela poderá recompor os seus engrams perdidos. A terapia neuronal que desenvolvemos está recuperando antigas conexões a cada dia. Pelo menos a maioria delas. Levará algum tempo, é claro, mas a nossa Sarah Okaido reaparecerá.
- Que os deuses assim queiram! – diz Alkon com alguma esperança..
- Quanto ao amor de vocês dois... Se a chama não for alimentada ela se apagará. – diz a doutora taxativamente.
- Talvez. Mas no momento prefiro ficar um pouco afastado.
- Não creio que seja a melhor estratégia. – pondera a doutora.
- Será menos doloroso. No início eu achei que poderia suportar a indiferença dela para comigo, mas ainda me incomoda muito. Além do mais preciso me concentrar na missão. Eu ficarei na retaguarda monitorando as equipes quando gostaria de estar com eles.
- A angústia é muito comum nessa situação. Lembre-se que você está emocionalmente mais sensível desde a retirada de seu supressor químico. Suas emoções demorarão a se estabilizar, contudo você deve evitar se isolar. Você só conseguirá uma gastrite com isso.
- Uma gastrite é o menor dos meus problemas agora. Estou preste a enviar os meus melhores oficiais em uma missão que pode ser suicida. A incerteza do que pode acontecer não é algo que me agrade.
- Estas pessoas que você enviará... Você têm alguma dúvida sobre a capacidade deles?
- O time ouro e prata foram formados por Sarah e Klag. Eles são os melhores. Sei bem do que eles são capazes. O que me incomoda é não conhecer assim tão bem o inimigo.
- Quando eles irão?
- Daqui a três dias. Os treinamentos acabaram. Uma nave estará vindo para cá a fim de nos dar suporte na missão. Me disseram que é uma nave de combate experimental, a USS Protheus. Assim que ela aportar e se abastecer partiremos para o quadrante gamma. Isto é confidencial. Só informarei a todos sobre a missão um dia antes.
- Pode deixar capitão. Sei manter segredo. Então mandarão uma escolta, hein?  O alto comando está esperando um grande perigo desta vez.
- Estamos sempre em perigo quando se trata do Dominion. Afinal estaremos “brincando no seu quintal” sem sermos convidados. Ainda tem a questão que os klingons voltaram atrás do tratado de Khitomer e os cardassianos podem estar se alinhando para o Dominion para se protegerem dos klingons.
- Parece ser a solução mais lógica para eles. Se isto vier a ocorrer Bajor e a Federação terão problemas.
- As coisas irão ferver por aqui, isto é certo. O comando da Frota acha que este informante misterioso que teremos que resgatar possui informações cruciais  que poderão nos ajudar a montar uma melhor defesa e evitar o avanço das forças do Dominion.
- É. Isto tudo é um bom motivo para uma gastrite. Vamos torcer  para que logremos sucesso. Mas não se esqueça de sua outra missão. – disse procurando relembrar o capitão de seu compromisso com Sarah – Boa noite, capitão. – T´Vel deixou a ponte.
Alkon terminou de beber o seu chá enquanto pensava no que a doutora lhe dissera. Voltou a fitar a tela principal e a tentar alcançar a mente de Sarah. Pôde vê-la dormindo em seus aposentos, mas parecia haver um muro bloqueando o seu elo telepático. Estava inseguro quanto a expressar seus sentimentos. Já fora difícil da primeira vez e não estava sendo mais fácil agora. Como poderia fazê-la acreditar novamente em seu amor?
Levantou-se e deixou sua xícara sobre o console de navegação antes de pegar o turbo elevador para ir ao seu alojamento. Durante o caminho não conseguia parar de pensar em Sarah. Ao chegar em sua cabine retirou seu uniforme e se dirigiu para o banheiro para tomar uma ducha. Enquanto se banhava a única imagem que lhe vinha à mente era a do rosto de Sarah. Ele não conseguia evitar. Era a sua obsessão. E ela estava atrapalhando os seus deveres como capitão. Tinha que se concentrar na missão. Ela deveria ser sua real e única preocupação. Isto estava dando uma dor de cabeça danada.
Saiu do banho, secou-se e vestiu o seu roupão. Caminhou até o sintetizador e pediu um leite quente. Isto o ajudaria a dormir uma vez que os calmantes estavam proibidos, pois afetavam o seu parato-córtex e conseqüentemente suas habilidades psíquicas.
Sentou-se no chão, próximo a sua cama, e começou a exercitar uma técnica de relaxamento mental que T´Vel o ensinava. Aos poucos a imagem de Sarah na sua mente foi substituída por um céu límpido e claro, depois uma praia, um campo florido e por fim a quietude do espaço iluminado por estrelas distantes. O sono foi dominando o seu corpo e acabou adormecendo ali mesmo onde estava.
Não muito longe dali, na cabine de Sarah, entre um murmúrio e outro sob a coberta, ela dizia : Dorian...Dorian...Dorian...



[1] Fato ocorrido em Frente de Batalha I – Mudando as Regras; escrito pelo autor.
[2] Fato ocorrido em O Vento que bate na janela; escrito pelo autor.

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