sábado, 30 de julho de 2016

FRENTE DE BATALHA 2 - FAZENDO LINGUIÇAS 4

FRENTE DE BATALHA A TRILOGIA
Fazendo Linguiças – Parte II da Trilogia.
As aventuras do Capitão Dorian Alkon na linha de frente do Quadrante Gamma.
Por Marcos De Chiara              


      PARTE QUATRO

       O salão de recreação da base estelar 375 não estava muito cheio. A maioria dos oficiais estava de serviço e fazendo turnos duplos.  A falsa quarentena do ano passado fora substituída pela guerra contra os klingons e a ameaça constante do Dominion. O comércio na região estava profundamente afetado. Nem os ferengis apareciam mais. Isto significa que a situação era preocupante.
         
        Alkon e sua tripulação podiam andar livremente pela estação sem correrem o risco de serem reconhecidos. Afinal, eles não eram tão famosos assim. Quando puderam ganhar a fama que lhes cabia, quando resgataram delegados da Federação no quadrante gamma, não deram lhes créditos e ninguém ficou sabendo do fato. As honrarias e medalhas que seriam justas para à sua tripulação não vieram e isto deixava Alkon irritado. Quanto ao anonimato, este não incomodava Alkon. Ele preferia que fosse assim. Poderia fazer seu trabalho sem ser muito incomodado pelo alto escalão ou pela mídia. Mas sempre havia a remota probabilidade de algum civil ou mercador reconhecer alguém da “tripulação desaparecida”; então a inteligência da Frota fazia duplos check-in na estação e cruzava dados para verificar se haviam alguma ligação com alguém à bordo da Albedo. Tal rigor na segurança da estação afugentou os últimos comerciantes. Principalmente aqueles que esperavam ter um território neutro para realizar negócios escusos. Somente naves que precisavam de alguma manutenção, reparos de emergência ou se prover de suprimentos, ainda aportavam na estação. Mesmo assim a Albedo ainda era mantida em doca interna e fechada a qualquer visitante que não possuía a autorização correta. Para os curiosos a doca estava em manutenção e era guardada por vários seguranças dia e noite.
         
       Tal situação era desanimadora para Dorn, o luriano salvo por Alkon no ano anterior. Ele havia assumido um restaurante na estação e estava muito feliz. Agora, praticamente sem clientes, era um desânimo só. Foi suspirando e passando um pano em uma mesa que Alkon o encontrou.
          - Como vai Dorn?
      - Não muito bem capitão...Como o senhor pode ver...- lamentou-se pelo seu estabelecimento estar praticamente vazio, excetuando a presença de alguns oficiais da Frota.
          - Não desanime. As coisas irão melhorar. Estamos trabalhando para isso.
      - Oh, capitão. Eu confio no senhor e na sua tripulação, mas não me leve a mal...Não creio que esta guerra será ganha rapidamente.
       - Vamos fazer o possível para que ela não dure tanto tempo assim. Estamos agindo em várias frentes. Não somos os únicos nesta briga, você sabe...
      - É o que estou lhe dizendo...Esta guerra com os klingons...O silêncio dos romulanos...O terror do Dominion... Ainda vem mais coisa por aí. Pode anotar.
         Alkon sabia que o luriano estava correto, mas não queria desanimá-lo. Perguntou-lhe então, mudando de assunto, sobre o motivo que o havia levado até ali.
         - Ela já chegou?
       - Já. A uns dez minutos. Pediu uma taça de sorvete. Ela parece bem, apesar de estar um pouco diferente.- disse o luriano apontando para uma mesa próxima a uma janela.
       - Obrigado. – Alkon caminhou até onde Sarah Okaido estava sentada.- Hum... Parece delicioso...- comentou ao vê-la comendo uma taça enorme de sorvete. Sarah estava em roupas civis. Trajava uma blusa de mangas compridas vermelhas com um colete preto onde se via o distintivo da Frota Estelar, e uma calça preta com tira vermelha pela lateral. Calçava sapatos brancos e contrastava bastante com o resto da roupa.
         - Você está atrasado.- disse ela sem dar-lhe muita atenção.
      - Eu sei. Me desculpe. São as agruras do cargo. Reuniões...reuniões... Posso provar?
         - Não sei se você merece...-disse ela fazendo birra.
       - Vai me negar este prazer? Sabe há quanto tempo não tomo uma colherada de sorvete?
       - Tá bom...Senta aí. Odeio ver um homem suplicar.- disse oferecendo-lhe uma outra colher.
        Alkon sorriu. Parecia que a velha Sarah estava de volta. Provou uma colherada do sorvete. Era de baunilha com calda de morango. O favorito dela. Pelo menos costumava ser. Será que ela estava relembrando de tudo?
      - Hummm...Maravilhoso...- disse ele ainda de boca cheia. – Este era...é o seu favorito sabia?
         - Sei. Eu li no meu dossiê. Quando a doutora T´Vel me falou do seu convite para um lanche resolvi experimentar. É realmente muito bom. É o melhor sorvete que eu já tomei.
       Tanto Alkon quanto T´Vel esperavam que estas pequenas experiências reativassem a sua memória. Este sorvete era o que eles sempre pediam quando estavam na academia. Mas parecia que ela não se lembrava.
     Após dois meses de reprogramação, Sarah havia alcançado um estágio de uma adolescente de dezesseis anos. 
      - Como você sabe que este é o melhor? Você já tomou outros? – provocou Alkon.
      - Já. Bem...Acho que sim.
      - Quais os sabores?
      - Eu...Não me lembro. Mas lembro de tê-los tomado. Não é estranho isto?
      -É. Mas não precisa ficar ansiosa. Aos poucos você irá lembrar.
    Sarah, por um momento, parou de comer e olhou profundamente nos olhos de Alkon. O capitão ficou desconcertado com esta atitude.
     - Você e a doutora têm sido ótimos comigo. Não sei como pude esquecê-los. Nós éramos muito chegados?
    - Um pouco. – Alkon estava ficando deprimido com o andamento daquela conversa. – A propósito... Você estava muito bem no jogo esta manhã. Sinto ter que ter saído antes do término. Espero que tenha ganhado. Seus reflexos estão cada vez mais apurados. – diz mudando rapidamente de assunto.
    - Meu time venceu de 25 a 18. Eu tenho treinado bastante. Precisa ver o programa que o tenente Kobler fez para mim de combate corpo-a-corpo. Fiquei até com medo de mim mesma.
     - O Kobler é bom nisso e você sempre foi um soldado muito bem treinado.
     Novamente Sarah ficou em silêncio. Olhou demoradamente para Alkon e por fim falou:
     - Engraçado...Eu olho para você e para a doutora T´Vel, acho-os familiar num momento, mas no outro...PUF! Nada!
       - A doutora já lhe contou toda história? Quero dizer...
       - Como eu fiquei assim?
       - Isso.
       - Já. Eu sou Sarah Okaido. Tenho trinta e dois anos. Cursei a academia da Frota estelar, me formando como a segunda da turma; sendo que a primeira era uma vulcana. – ressaltou - Sou especialista em armas e artes marciais. Servi como sub-chefe de segurança da USS Budapest, classse Norway, e depois como ofical tático, ficando neste cargo por dois anos até ser transferida para a USS Al-Batani, classe Excelsior, para ser chefe de segurança. Você me convidou para ser sua número um. Eu fui ferida em uma missão e agora estou aqui. Desmemoriada. – disse com bom humor.
        - Sua memória parece ótima para mim. – Alkon ficou feliz que ela tenha guardado tanta informação.
       - Eu li minha folha de serviço. Do tal dossiê que T´Vel me deu para ler. A memória recente parece estar ótima. Mas não me lembro nem da metade do que está escrito lá. Ela disse que...Quer o morango? – Alkon recusou e Sarah voltou a falar enquanto comia o sorvete – Ela disse que me ajudaria a lembrar se eu lesse o tal dossiê, mas parece a história de outra pessoa. Como uma pessoa pode esquecer uma vida inteira? – Sarah fica irritada e pára de comer o sorvete. Sua cara enfezada fez com que, estranhamente, Alkon sorrisse. Ele adorava quando ela fazia esta expressão. Era quando ele usava a sua fala mansa para escapar das suas broncas.
       - O que foi? Qual foi a graça?
       - Desculpe. É que por um momento você me lembrou de algo. Deixa pra lá.
       - Lembrei de quê?
       - Nada. Bobagem. Não é nada.
       - Como assim nada? Vai diga...Não faça isso com uma desmemoriada.
      - É a cara que você fez. Sua cara de enfezada. É uma expressão que vi a velha Sarah fazer muitas vezes.
        - Velha? Como assim velha? Você me acha velha?
        - Não. Não é nada disso. É só um modo de dizer.
        - Então você quer dizer que eu era uma pessoa mal humorada?
      - Não. Não era bem isso. Para que eu fui fazer este comentário... – diz Alkon arrependido. - Foi uma tolice de minha parte. Me desculpe.
         - Não, senhor. – Sarah segura a sua mão. Alkon fica surpreso com a atitude dela. Há muito tempo ele não sentia seu toque. Ficou paralisado. – Agora que você começou desembucha tudo. Eu quero saber como eu era.
      - A palavra certa seria: Exigente. A tripulação a costumava chamar de Lady Samurai. Claro que não na sua frente ou na minha. Mas os apelidos costumam vazar. Eles tinham medo das suas broncas quando os repreendia.
         - Nossa! Eu devia ser muito brava! – Sarah estava surpresa.
         - Não muito. Você sempre primou pela eficiência. Só isso.
       - Bom...Nunca é tarde para mudar. Prometo ser mais flexível doravante. O que você acha?
         Neste momento Dorn se aproximou.
       - Apreciaram o sorvete? Querem mais alguma coisa? Codrazina talvez? – Dorn tentava a sua velha piada particular com Sarah, mas não surtiu efeito. – Água de Altair? – insistiu.
         - Não, obrigada. Eu tenho que pagar por isso? – perguntou Sarah gentilmente.
       - Não, senhorita. É tudo por conta da casa.- Dorn se afastou carregando a taça vazia em uma bandeja e um olhar triste.
         Alkon sabia exatamente como ele se sentia.
         - Bom...Esta conversa está muito agradável, mas infelizmente eu preciso ir.
         - Já? – diz Sarah aborrecida.
         - Você sabe...São os...
         -...deveres do capitão. – completou  Sarah. -  Sei. – disse ela desapontada.
         Alkon ficou de pé, ajeitou sua túnica, aproximou-se de Sarah e a beijou no rosto.
         - Prometo vê-la mais tarde. Você ficará bem sozinha?
         - Eu estou sem memória, mas não estou retardada. Eu me viro. Qualquer coisa eu pergunto ao computador da estação. Não se preocupe. Bom trabalho.
       Alkon hesita por um momento, mas acaba indo embora, não sem antes de lhe fazer um afago no rosto. Ele ainda tinha esperanças de reatar seu romance com ela. Um romance que ela ainda ignorava existir e que ele não queria revelar para não forçá-la a nada. Queria que as coisas acontecessem naturalmente. Como da última vez.

      Sarah o vê partindo e passa a mão no rosto no local onde recebera o carinho. Fecha os olhos e tem uma estranha sensação de já ter sentido o perfume do capitão outras vezes. Um forte rubor tomou conta de sua face e um calor maior do resto do corpo. Isto a assustou. Precisaria falar com a doutora T´Vel urgentemente.

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