sábado, 30 de julho de 2016

FRENTE DE BATALHA 2 - FAZENDO LINGUIÇAS - 6



FRENTE DE BATALHA A TRILOGIA
Fazendo Linguiças – Parte II da Trilogia.
As aventuras do Capitão Dorian Alkon na linha de frente do Quadrante Gamma.
Por Marcos De Chiara

PARTE SEIS

          
USS Albedo
Doca Interna -  Base 375

Klag estava em seus aposentos usando um terminal de computador. Lia uma mensagem que lhe fora enviada secretamente, pois, para todos os efeitos, ele não mais existia. Contudo ele precisava saber como estavam seus parentes em Q´NoS. Sobretudo ele precisava confirmar o quão era verdadeira a visão que tivera em seu ritual de Maj´Qa do ano passado.[1] Pela cara que fazia não estava gostando nada do que estava lendo. De repente a campainha do seu alojamento tocou. Não podia imaginar quem poderia ser àquela hora. Certificou-se em apagar a mensagem e desligar o monitor. Ajeitou o seu robe apertando bem a faixa em sua cintura, caminhou até a porta e abriu-a. Era a tenente Allison Saint-John com uma fisionomia preocupada.
- Oi Grandão. Posso entrar? – disse ela amigavelmente.
Klag não gostava que o chamassem por apelidos. Na verdade ele não era dado a intimidades com qualquer tripulante à bordo. Todavia permitia esta liberdade à Allison porque passou a considerá-la como amiga e por estar em dívida de honra com ela por não ter conseguido protegê-la devidamente quando estiveram juntos em sua primeira missão.[2] Vez por outra Allison procurava se aconselhar com ele. Parecia que ela o via como um guerreiro experiente e capaz de dar bons conselhos. Ele havia sido a primeira pessoa que ela tivera contato quando há dois anos atrás foram comissionados na USS Babel e desde então se tornaram amigos. Na verdade ele poderia dizer que ela era a sua única amiga à bordo. Os outros eles simplesmente respeitava como companheiros de farda.
- Está meio tarde, tenente, o que quer? – disse ele em meio a um grunhido de insatisfação.
- Você é tão receptivo... – ironizou a jovem – Estou sem sono e preciso conversar com alguém.
- Creio que o tenente McCormick seria todo ouvidos. – disse se referindo a relação que havia entre os dois.
Allison sorriu e o encarou como se estivesse dizendo com os olhos: “Você vai me deixar entrar ou não?”
- Entre. – disse ele finalmente desobstruindo a porta. Allison passou por ele cabisbaixa. Enrolou o cabelo e ficou parada olhando ao seu redor. Os alojamentos da Albedo não eram tão grandes quanto o da classe Akira ou de uma classe Galaxy, mas eram confortáveis. Pelo menos os dos oficiais superiores. Consistia em uma pequena saleta com duas poltronas, um pequeno sofá, uma mesa com duas cadeiras para fazer as refeições, com um sintetizador de alimentos na parede e um quarto contíguo que era uma suíte. Neste havia uma cama, um pequeno armário embutido, uma bancada com uma cadeira e um monitor .
A jovem tenente ainda tentava buscar as palavras certas para iniciar a conversa.
Klag postou-se a sua frente e procurou iniciar um diálogo.
- Para quem queria conversar você está muito calada.
- É que eu não sei por onde começar.
- Escute, tenente...Eu não sou um bom ouvinte nem conselheiro. Talvez fosse melhor procurar a doutora T´Vel.
- Não. Ela também não serve. Preciso do ponto de vista klingon.
- Bom, neste caso parece que sou o mais indicado. – Klag era o único klingon à bordo da nave. – Sente-se. – convidou-a sem ter outra alternativa.
- Obrigada.
Klag sentou-se na poltrona à sua frente e perguntou:
- Do que se trata?
- É sobre esta missão para a qual estão nos preparando. Estou um pouco apreensiva quanto à ela.
- Até onde eu sei , ela foi cancelada.
- Zagar escutou que nos mandarão mesmo assim. Temo ser uma armadilha preparada pelo Dominion. Acho que estou ficando meio paranóica.
O jovem elaysiano oficial de comunicações deveria ser transferido para a inteligência da Frota. Daria um ótimo espião.
- Quando ele escutou isso? – perguntou curioso.
- Não sei, mas se for verdade, o que faremos?
- Executaremos a missão conforme fomos treinados. – respondeu com firmeza. Porém Klag não sentiu confiança na jovem. Resolveu que deveria encorajá-la.
- Você é uma oficial treinada. O seu rendimento no simulador foi satisfatório. Não há o que temer.
- Você diz isso porque tem alma de guerreiro. Eu não. Eu gosto de pilotar naves. É o que sei fazer de melhor. Não me sinto bem atirando em outros seres vivos. Eu respeito a vida. Seja de quem for. Eu queria saber de você como é possível não se importar com as vidas de quem você irá destruir ?
Klag notou a visão errada que sua colega possuía dele e da cultura klingon.
- Tenente...Um guerreiro klingon valoriza a vida de seu oponente. Se, em batalha, ele tiver que tomar a sua vida, isto será um privilégio para ele. Não há honra em matar fracos ou inocentes. Se um guerreiro tiver que matar alguém, este será um outro guerreiro que, por sua vez, está disposto a morrer para defender  sua posição ou seu ideal.
- Então é só eu pensar que o cara está lá para me matar, então agirei em legítima defesa, é isso? Parece ser uma boa desculpa. Oh, meu Deus! Não sei se serei capaz... – Allison abaixa a cabeça e esconde a face entre as mãos.
- Você nunca matou ninguém em combate corpo-a-corpo, não é mesmo?
- Bom...Você sabe...Já estive em batalhas antes...Como a do ano passado, mas não é a mesma coisa. Eu estava em uma nave e... – ela fez uma pausa – Não. Nunca. – respondeu finalmente.
- Se você está insegura eu posso falar com o capitão e ...
- Não, não. Não quero decepcioná-lo. Ele já se arriscou tanto por nós.
- O caso é que você poderá colocar a missão em risco. Se hesitar no campo de batalha isto comprometerá a vida de um companheiro. Por acaso não está assim por causa do seu relacionamento com o tenente McCormick está? – perguntou Klag sem temer em ser indiscreto.
- Não. Eu sei que ele sabe se cuidar. Desculpe ter incomodado. – diz ela se levantando – Devo estar com TPB.
- TPB? – Klag não entendera do que a tenente estava falando.
- Tensão pré-batalha. Talvez você esteja certo. Acho melhor procurar a doutora T´Vel. Talvez ela possa me dar alguma coisa...
- Coragem não vem em hiposprays. Você terá que consegui-la de dentro de você mesmo. – ponderou Klag.
Allison sorriu e abraçou o amigo. Tal atitude surpreendeu o aparente insensível klingon.
- Sabe Klag eu o considero um amigo e sua opinião é muito importante para mim, você sabe. Obrigada pelos conselhos. Vou refletir sobre tudo que me disse. Sei que para ser uma guerreira eu vou precisar querer ser uma. Vai ser difícil, mas vou tentar. – Allison caminhou até a porta e parou quando ela abriu. Respirou fundo, hesitou por um momento, mas acabou seguindo o caminho de volta à sua cabine.
Klag ficou satisfeito em saber o quanto Allison o considerava. Era mais um laço que o prendia àquela nave e àquelas pessoas. Isto talvez o distanciasse mais ainda de seu planeta natal e de Lurga, seu amor.


Alkon estava sozinho na ponte da Albedo tomando uma xícara de café e olhando para a tela principal desligada quando a doutora T´Vel apareceu. Alkon a cumprimentou sem sequer olhar para ela.
- Olá doutora. Está sem sono também?
- Vejo que suas habilidades psi estão se desenvolvendo. Estava à sua procura...
- Para saber como estou me portando quanto ao progresso de Sarah.
- Prefere continuar a conversa por telepatia? Creio que possa fazê-lo apesar de não praticar a algum tempo. – disse a doutora com certa ironia ao perceber que havia sido invadida mentalmente. Isto era uma grande ofensa para os vulcanos.
- Desculpe a amargura. Não pretendia ler seus pensamentos. É que às vezes eles me são tão audíveis que é impossível bloqueá-los. Principalmente sem a medicação que eu tomava. Estou preocupado com a missão.
- Como já sabe eu, ao contrário, não estou preocupada com isso agora. É sobre o seu comportamento para com a comandante que eu vim discutir. Por que você sempre arranja uma desculpa para não vê-la e quando está com ela arranja outra para ir embora o mais rápido possível? – T´Vel se sentou na cadeira de comando ao seu lado.
Alkon achava que ninguém perceberia isto. É claro que ele subestimara o poder de percepção da doutora.
- Eu olho para ela e não vejo mais a minha Sarah. Ela é uma estranha para mim. É muito doloroso perceber que o que tínhamos juntos...Acabou.
- Não, não acabou. O amor que vocês sentem um pelo outro ainda está lá no fundo da mente dela. Algum dia ele irá reaparecer.
Alkon levantou-se e caminhou pela ponte, olhou alguns instrumentos e por fim encarou a doutora.
- Quando? – perguntou o capitão.
- Impossível precisar. Eu e o doutor acreditamos que ela poderá recompor os seus engrams perdidos. A terapia neuronal que desenvolvemos está recuperando antigas conexões a cada dia. Pelo menos a maioria delas. Levará algum tempo, é claro, mas a nossa Sarah Okaido reaparecerá.
- Que os deuses assim queiram! – diz Alkon com alguma esperança..
- Quanto ao amor de vocês dois... Se a chama não for alimentada ela se apagará. – diz a doutora taxativamente.
- Talvez. Mas no momento prefiro ficar um pouco afastado.
- Não creio que seja a melhor estratégia. – pondera a doutora.
- Será menos doloroso. No início eu achei que poderia suportar a indiferença dela para comigo, mas ainda me incomoda muito. Além do mais preciso me concentrar na missão. Eu ficarei na retaguarda monitorando as equipes quando gostaria de estar com eles.
- A angústia é muito comum nessa situação. Lembre-se que você está emocionalmente mais sensível desde a retirada de seu supressor químico. Suas emoções demorarão a se estabilizar, contudo você deve evitar se isolar. Você só conseguirá uma gastrite com isso.
- Uma gastrite é o menor dos meus problemas agora. Estou preste a enviar os meus melhores oficiais em uma missão que pode ser suicida. A incerteza do que pode acontecer não é algo que me agrade.
- Estas pessoas que você enviará... Você têm alguma dúvida sobre a capacidade deles?
- O time ouro e prata foram formados por Sarah e Klag. Eles são os melhores. Sei bem do que eles são capazes. O que me incomoda é não conhecer assim tão bem o inimigo.
- Quando eles irão?
- Daqui a três dias. Os treinamentos acabaram. Uma nave estará vindo para cá a fim de nos dar suporte na missão. Me disseram que é uma nave de combate experimental, a USS Protheus. Assim que ela aportar e se abastecer partiremos para o quadrante gamma. Isto é confidencial. Só informarei a todos sobre a missão um dia antes.
- Pode deixar capitão. Sei manter segredo. Então mandarão uma escolta, hein?  O alto comando está esperando um grande perigo desta vez.
- Estamos sempre em perigo quando se trata do Dominion. Afinal estaremos “brincando no seu quintal” sem sermos convidados. Ainda tem a questão que os klingons voltaram atrás do tratado de Khitomer e os cardassianos podem estar se alinhando para o Dominion para se protegerem dos klingons.
- Parece ser a solução mais lógica para eles. Se isto vier a ocorrer Bajor e a Federação terão problemas.
- As coisas irão ferver por aqui, isto é certo. O comando da Frota acha que este informante misterioso que teremos que resgatar possui informações cruciais  que poderão nos ajudar a montar uma melhor defesa e evitar o avanço das forças do Dominion.
- É. Isto tudo é um bom motivo para uma gastrite. Vamos torcer  para que logremos sucesso. Mas não se esqueça de sua outra missão. – disse procurando relembrar o capitão de seu compromisso com Sarah – Boa noite, capitão. – T´Vel deixou a ponte.
Alkon terminou de beber o seu chá enquanto pensava no que a doutora lhe dissera. Voltou a fitar a tela principal e a tentar alcançar a mente de Sarah. Pôde vê-la dormindo em seus aposentos, mas parecia haver um muro bloqueando o seu elo telepático. Estava inseguro quanto a expressar seus sentimentos. Já fora difícil da primeira vez e não estava sendo mais fácil agora. Como poderia fazê-la acreditar novamente em seu amor?
Levantou-se e deixou sua xícara sobre o console de navegação antes de pegar o turbo elevador para ir ao seu alojamento. Durante o caminho não conseguia parar de pensar em Sarah. Ao chegar em sua cabine retirou seu uniforme e se dirigiu para o banheiro para tomar uma ducha. Enquanto se banhava a única imagem que lhe vinha à mente era a do rosto de Sarah. Ele não conseguia evitar. Era a sua obsessão. E ela estava atrapalhando os seus deveres como capitão. Tinha que se concentrar na missão. Ela deveria ser sua real e única preocupação. Isto estava dando uma dor de cabeça danada.
Saiu do banho, secou-se e vestiu o seu roupão. Caminhou até o sintetizador e pediu um leite quente. Isto o ajudaria a dormir uma vez que os calmantes estavam proibidos, pois afetavam o seu parato-córtex e conseqüentemente suas habilidades psíquicas.
Sentou-se no chão, próximo a sua cama, e começou a exercitar uma técnica de relaxamento mental que T´Vel o ensinava. Aos poucos a imagem de Sarah na sua mente foi substituída por um céu límpido e claro, depois uma praia, um campo florido e por fim a quietude do espaço iluminado por estrelas distantes. O sono foi dominando o seu corpo e acabou adormecendo ali mesmo onde estava.
Não muito longe dali, na cabine de Sarah, entre um murmúrio e outro sob a coberta, ela dizia : Dorian...Dorian...Dorian...



[1] Fato ocorrido em Frente de Batalha I – Mudando as Regras; escrito pelo autor.
[2] Fato ocorrido em O Vento que bate na janela; escrito pelo autor.

FRENTE DE BATALHA 2 - FAZENDO LINGUIÇAS 5

FRENTE DE BATALHA A TRILOGIA
Fazendo Linguiças – Parte II da Trilogia.
As aventuras do Capitão Dorian Alkon na linha de frente do Quadrante Gamma.
Por Marcos De Chiara     

PARTE CINCO

Terra – São Francisco
Centro de comunicações da Frota Estelar
Redação da INN-DNF

         Vários funcionários transitavam de um lado para o outro nervosamente. Era assim durante as vinte e quatro horas.
         Timothy Barinni procurava pelo seu chefe para receber sua nova credencial de correspondente interestelar.
         - Oi Tim! – cumprimentou um colega.
         - Oi Roy. Viu Zarc por aí?
         - Acho que foi tomar café.
         - Obrigado. – Timothy foi abrindo espaço entre as pessoas através dos pequenos corredores apertados e dezenas de divisórias.
         Displays conectados a várias localidades da Terra e dos territórios da federação mostravam reportagens sobre diversos eventos: nascimento de crianças fruto de relações interespécies, pirataria espacial, catástrofes, guerras e fenômenos espaciais.
 “Onde estavam as reportagens de esporte, musicais e humor?” – Pensava Timothy. Provavelmente não estavam na moda. Pelo menos nesta semana. Se não estivesse com a sua agenda lotada faria uma reportagem sobre como o noticiário era volátil nos dias de hoje. Bom...Talvez não desse uma boa matéria. Noticiários sempre haviam sido voláteis. O que importa é a notícia do momento. E era atrás da “notícia do momento” que ele estava atrás.
- Barinni! – um grito de um dos corredores da redação foi ouvido. A voz era inconfundível. Era Zarc Omala, seu redator-chefe. Um Tereliano de quatro braços e nariz engraçado e o motivo dele estar ali.
- Senhor Omala! O senhor está ótimo hoje. Esteve fazendo dieta?
- Sem bajulações, Barinni. Minha cintura aumentou cinco centímetros desde a última vez que o vi.
- Desde quando?
- ONTEM! Ah,ah,ah,ah! – Zarc Omala tinha um humor peculiar. – Quer café? – ofereceu um gole de sua xícara enquanto foi andando à sua frente. Timothy bebeu e esqueceu-se que Omala não usava açúcar e sim sal. Cuspiu o que bebeu, sem que ele visse, no primeiro vaso de planta que viu e devolveu-lhe a xícara.
- O que o traz aqui tão cedo?
-Você ligou para mim, lembra-se? Pediu que viesse voando. Por favor...São sete horas da manhã...Do que se trata?
Entraram no amplo escritório do chefe da redação.
- Ah, sim. Claro! Que estúpido que sou. Sente-se rapaz. – pegou uma vareta de sal e ficou a chupá-la. – Você é um cara afortunado, Barinni. Nunca vi um repórter com os contatos que você tem. – Omala ficou a procurar por algo em sua mesa entulhada de pastas, padds e e-papers. – AH! ACHEI! Aqui está sua credencial e autorizações para seu vôo. Vou sentir sua falta.
- Já não era sem tempo. Estou a uma semana esperando por isso.
- Aí tem também reservas de um hotel em Jalandra city em Bajor. É uma cidade agradável. Sua família vai adorar. Muito ar fresco, música por todo o canto...
- Pensei que ia ficar na estação nove. – disse desapontado.
- Ela não está aceitando hóspedes no momento. Problemas de infra estrutura Pelo menos foi o que alegaram.
- Jalandra? Não é a cidade dos artistas? Não é lá que vive o grande músico Varini?
- Isso mesmo. Você pode até entrevistá-lo, que tal?
- Parece bom.
- Só temos um problema.
- Sabia que estava faltando algo. Qual?
- É quanto ao seu transporte. Hoje existe muita restrição para viagens ao setor bajoriano. Conseguimos uma autorização do vice-almirante Toddman para você e sua família. Sua mulher será uma enviada especial dos Médicos Sem Fronteiras em ajuda humanitária em Bajor. Seus filhos quase não conseguiram a autorização, mas quem gostaria de ver uma mãe chorando? – sorri Omala -Vocês deverão ir em uma nave da quinta frota para a base estelar 375 e de lá serão levados em um explorador até DS9 antes de pegarem um vôo comercial para Bajor. Você terá duas horas na estação nove. Não desperdice este tempo.
- Zarc! Você é incrível! – Barinni beija a testa de seu chefe. – Sabia que você ia conseguir uma brecha nas defesas deles!
- Não me agradeça. O maior mérito é de seu amigo Lanin. Ele soube mexer os pauzinhos certos.
- Vai ser uma viagem longa, cansativa e perigosa.
- Sei disso. E não se preocupe. Sei que sua esposa também iria reclamar e então o que eu fiz?
Barinni fez uma expressão de “surpreenda-me”.
- Contratei uma segurança do maior gabarito e como prova de confiança em seus serviços vou até mandar meu sobrinho com vocês.
- Sobrinho? – Timothy estranhou a presença inesperada deste companheiro de viagem.
Omala começou a se explicar. Aproximou-se o máximo de Barinni, estando sentado, e falou com voz baixa com medo que alguém o escutasse.
- Ele é filho de minha irmã, compreende? Ele andou fazendo umas besteiras, se metendo em más companhias, pondo as mãos onde não devia... Você sabe...Vai ser melhor para ele mudar de ares por uns tempos. Digamos que o sistema solar não é seguro para ele no momento, entende?
- Entendo. Você é um tio e um patrão muito zeloso. Quando será o meu vôo?
- Daqui a dois dias. Você vai até o espaço-porto central e pega o vôo das dezesseis horas até à doca espacial da Frota. Lá procure pela capitã Sobieski. Ela estará no comando da USS Protheus, classe Prometheus, uma das novas naves que a Frota estará testando. Mais uma boa matéria, não? Isto o ocupará nas duas semanas de viagem até a base 375. Eu o invejo Barinni. Estará onde está a ação e viajará numa nave de guerra nova da Frota.Com sua capacidade de contar histórias e o faro que você tem...Vejo mais um Olho de Shiva na sua estante, meu jovem.
- Depois eu é que sou bajulador.
- Mas é verdade. Com sua capacidade de convencer os outros não há limites até onde você possa ir e a INN estará lá com você. Você convenceu a sua mulher e o alto comando da Frota Estelar! Isto não é pra qualquer um não. Você está com a bola toda garotão!
- Devem ser os meus Olhos de Shiva! – brinca Timothy.
- Mas não confie muito neles. Não vai ver demais. Você sabe como são os militares. Não se arrisque. Nós precisamos de boas histórias e não obituários, entendeu? – agora Omala falava como seu chefe.
- Pode deixar, Zarc. Obrigado por todos os arranjos. Vou para casa fazer as malas. – Timothy barinni aperta a mão de seu redator-chefe e se retira da sala.
- Mande lembranças minhas para Liz e os meninos. – gritou Omala ainda sentado e roendo uma vareta de sal.
Barinni passava por seus colegas exibindo a plaqueta de correspondente interplanetário que acabara de conseguir. Era aplaudido por onde passava. O que ele daria para Liz vê-lo agora. Pegou o elevador até o terraço onde estacionara o seu transporte. Estava eufórico. Sentia que aquela seria a matéria da sua vida. Já podia ver uma série de programas relatando a sua viagem. Relatos sobre a vida de Bajor. Entrevista com o capitão Sisko e seu staff. Com o chefe da estação Odo e sua impressão de seus pares do Dominion...A atividade Maqui...Os conflitos entre klingons-cardassianos-federação... Um sem número de reportagens brotava na sua cabeça. Era material para um ano de trabalho. Talvez mais. Só teria que convencer a sua esposa a ficar longe da Terra tanto tempo. Retirou um pequeno gravador do bolso e começou a fazer suas anotações do dia:
-“Lembrar de agradecer Yryal por abrir as portas.” – desligou o gravador para em seguida ligá-lo novamente.

- “Comprar um presente para Liz. Bem vistoso!”

FRENTE DE BATALHA 2 - FAZENDO LINGUIÇAS 4

FRENTE DE BATALHA A TRILOGIA
Fazendo Linguiças – Parte II da Trilogia.
As aventuras do Capitão Dorian Alkon na linha de frente do Quadrante Gamma.
Por Marcos De Chiara              


      PARTE QUATRO

       O salão de recreação da base estelar 375 não estava muito cheio. A maioria dos oficiais estava de serviço e fazendo turnos duplos.  A falsa quarentena do ano passado fora substituída pela guerra contra os klingons e a ameaça constante do Dominion. O comércio na região estava profundamente afetado. Nem os ferengis apareciam mais. Isto significa que a situação era preocupante.
         
        Alkon e sua tripulação podiam andar livremente pela estação sem correrem o risco de serem reconhecidos. Afinal, eles não eram tão famosos assim. Quando puderam ganhar a fama que lhes cabia, quando resgataram delegados da Federação no quadrante gamma, não deram lhes créditos e ninguém ficou sabendo do fato. As honrarias e medalhas que seriam justas para à sua tripulação não vieram e isto deixava Alkon irritado. Quanto ao anonimato, este não incomodava Alkon. Ele preferia que fosse assim. Poderia fazer seu trabalho sem ser muito incomodado pelo alto escalão ou pela mídia. Mas sempre havia a remota probabilidade de algum civil ou mercador reconhecer alguém da “tripulação desaparecida”; então a inteligência da Frota fazia duplos check-in na estação e cruzava dados para verificar se haviam alguma ligação com alguém à bordo da Albedo. Tal rigor na segurança da estação afugentou os últimos comerciantes. Principalmente aqueles que esperavam ter um território neutro para realizar negócios escusos. Somente naves que precisavam de alguma manutenção, reparos de emergência ou se prover de suprimentos, ainda aportavam na estação. Mesmo assim a Albedo ainda era mantida em doca interna e fechada a qualquer visitante que não possuía a autorização correta. Para os curiosos a doca estava em manutenção e era guardada por vários seguranças dia e noite.
         
       Tal situação era desanimadora para Dorn, o luriano salvo por Alkon no ano anterior. Ele havia assumido um restaurante na estação e estava muito feliz. Agora, praticamente sem clientes, era um desânimo só. Foi suspirando e passando um pano em uma mesa que Alkon o encontrou.
          - Como vai Dorn?
      - Não muito bem capitão...Como o senhor pode ver...- lamentou-se pelo seu estabelecimento estar praticamente vazio, excetuando a presença de alguns oficiais da Frota.
          - Não desanime. As coisas irão melhorar. Estamos trabalhando para isso.
      - Oh, capitão. Eu confio no senhor e na sua tripulação, mas não me leve a mal...Não creio que esta guerra será ganha rapidamente.
       - Vamos fazer o possível para que ela não dure tanto tempo assim. Estamos agindo em várias frentes. Não somos os únicos nesta briga, você sabe...
      - É o que estou lhe dizendo...Esta guerra com os klingons...O silêncio dos romulanos...O terror do Dominion... Ainda vem mais coisa por aí. Pode anotar.
         Alkon sabia que o luriano estava correto, mas não queria desanimá-lo. Perguntou-lhe então, mudando de assunto, sobre o motivo que o havia levado até ali.
         - Ela já chegou?
       - Já. A uns dez minutos. Pediu uma taça de sorvete. Ela parece bem, apesar de estar um pouco diferente.- disse o luriano apontando para uma mesa próxima a uma janela.
       - Obrigado. – Alkon caminhou até onde Sarah Okaido estava sentada.- Hum... Parece delicioso...- comentou ao vê-la comendo uma taça enorme de sorvete. Sarah estava em roupas civis. Trajava uma blusa de mangas compridas vermelhas com um colete preto onde se via o distintivo da Frota Estelar, e uma calça preta com tira vermelha pela lateral. Calçava sapatos brancos e contrastava bastante com o resto da roupa.
         - Você está atrasado.- disse ela sem dar-lhe muita atenção.
      - Eu sei. Me desculpe. São as agruras do cargo. Reuniões...reuniões... Posso provar?
         - Não sei se você merece...-disse ela fazendo birra.
       - Vai me negar este prazer? Sabe há quanto tempo não tomo uma colherada de sorvete?
       - Tá bom...Senta aí. Odeio ver um homem suplicar.- disse oferecendo-lhe uma outra colher.
        Alkon sorriu. Parecia que a velha Sarah estava de volta. Provou uma colherada do sorvete. Era de baunilha com calda de morango. O favorito dela. Pelo menos costumava ser. Será que ela estava relembrando de tudo?
      - Hummm...Maravilhoso...- disse ele ainda de boca cheia. – Este era...é o seu favorito sabia?
         - Sei. Eu li no meu dossiê. Quando a doutora T´Vel me falou do seu convite para um lanche resolvi experimentar. É realmente muito bom. É o melhor sorvete que eu já tomei.
       Tanto Alkon quanto T´Vel esperavam que estas pequenas experiências reativassem a sua memória. Este sorvete era o que eles sempre pediam quando estavam na academia. Mas parecia que ela não se lembrava.
     Após dois meses de reprogramação, Sarah havia alcançado um estágio de uma adolescente de dezesseis anos. 
      - Como você sabe que este é o melhor? Você já tomou outros? – provocou Alkon.
      - Já. Bem...Acho que sim.
      - Quais os sabores?
      - Eu...Não me lembro. Mas lembro de tê-los tomado. Não é estranho isto?
      -É. Mas não precisa ficar ansiosa. Aos poucos você irá lembrar.
    Sarah, por um momento, parou de comer e olhou profundamente nos olhos de Alkon. O capitão ficou desconcertado com esta atitude.
     - Você e a doutora têm sido ótimos comigo. Não sei como pude esquecê-los. Nós éramos muito chegados?
    - Um pouco. – Alkon estava ficando deprimido com o andamento daquela conversa. – A propósito... Você estava muito bem no jogo esta manhã. Sinto ter que ter saído antes do término. Espero que tenha ganhado. Seus reflexos estão cada vez mais apurados. – diz mudando rapidamente de assunto.
    - Meu time venceu de 25 a 18. Eu tenho treinado bastante. Precisa ver o programa que o tenente Kobler fez para mim de combate corpo-a-corpo. Fiquei até com medo de mim mesma.
     - O Kobler é bom nisso e você sempre foi um soldado muito bem treinado.
     Novamente Sarah ficou em silêncio. Olhou demoradamente para Alkon e por fim falou:
     - Engraçado...Eu olho para você e para a doutora T´Vel, acho-os familiar num momento, mas no outro...PUF! Nada!
       - A doutora já lhe contou toda história? Quero dizer...
       - Como eu fiquei assim?
       - Isso.
       - Já. Eu sou Sarah Okaido. Tenho trinta e dois anos. Cursei a academia da Frota estelar, me formando como a segunda da turma; sendo que a primeira era uma vulcana. – ressaltou - Sou especialista em armas e artes marciais. Servi como sub-chefe de segurança da USS Budapest, classse Norway, e depois como ofical tático, ficando neste cargo por dois anos até ser transferida para a USS Al-Batani, classe Excelsior, para ser chefe de segurança. Você me convidou para ser sua número um. Eu fui ferida em uma missão e agora estou aqui. Desmemoriada. – disse com bom humor.
        - Sua memória parece ótima para mim. – Alkon ficou feliz que ela tenha guardado tanta informação.
       - Eu li minha folha de serviço. Do tal dossiê que T´Vel me deu para ler. A memória recente parece estar ótima. Mas não me lembro nem da metade do que está escrito lá. Ela disse que...Quer o morango? – Alkon recusou e Sarah voltou a falar enquanto comia o sorvete – Ela disse que me ajudaria a lembrar se eu lesse o tal dossiê, mas parece a história de outra pessoa. Como uma pessoa pode esquecer uma vida inteira? – Sarah fica irritada e pára de comer o sorvete. Sua cara enfezada fez com que, estranhamente, Alkon sorrisse. Ele adorava quando ela fazia esta expressão. Era quando ele usava a sua fala mansa para escapar das suas broncas.
       - O que foi? Qual foi a graça?
       - Desculpe. É que por um momento você me lembrou de algo. Deixa pra lá.
       - Lembrei de quê?
       - Nada. Bobagem. Não é nada.
       - Como assim nada? Vai diga...Não faça isso com uma desmemoriada.
      - É a cara que você fez. Sua cara de enfezada. É uma expressão que vi a velha Sarah fazer muitas vezes.
        - Velha? Como assim velha? Você me acha velha?
        - Não. Não é nada disso. É só um modo de dizer.
        - Então você quer dizer que eu era uma pessoa mal humorada?
      - Não. Não era bem isso. Para que eu fui fazer este comentário... – diz Alkon arrependido. - Foi uma tolice de minha parte. Me desculpe.
         - Não, senhor. – Sarah segura a sua mão. Alkon fica surpreso com a atitude dela. Há muito tempo ele não sentia seu toque. Ficou paralisado. – Agora que você começou desembucha tudo. Eu quero saber como eu era.
      - A palavra certa seria: Exigente. A tripulação a costumava chamar de Lady Samurai. Claro que não na sua frente ou na minha. Mas os apelidos costumam vazar. Eles tinham medo das suas broncas quando os repreendia.
         - Nossa! Eu devia ser muito brava! – Sarah estava surpresa.
         - Não muito. Você sempre primou pela eficiência. Só isso.
       - Bom...Nunca é tarde para mudar. Prometo ser mais flexível doravante. O que você acha?
         Neste momento Dorn se aproximou.
       - Apreciaram o sorvete? Querem mais alguma coisa? Codrazina talvez? – Dorn tentava a sua velha piada particular com Sarah, mas não surtiu efeito. – Água de Altair? – insistiu.
         - Não, obrigada. Eu tenho que pagar por isso? – perguntou Sarah gentilmente.
       - Não, senhorita. É tudo por conta da casa.- Dorn se afastou carregando a taça vazia em uma bandeja e um olhar triste.
         Alkon sabia exatamente como ele se sentia.
         - Bom...Esta conversa está muito agradável, mas infelizmente eu preciso ir.
         - Já? – diz Sarah aborrecida.
         - Você sabe...São os...
         -...deveres do capitão. – completou  Sarah. -  Sei. – disse ela desapontada.
         Alkon ficou de pé, ajeitou sua túnica, aproximou-se de Sarah e a beijou no rosto.
         - Prometo vê-la mais tarde. Você ficará bem sozinha?
         - Eu estou sem memória, mas não estou retardada. Eu me viro. Qualquer coisa eu pergunto ao computador da estação. Não se preocupe. Bom trabalho.
       Alkon hesita por um momento, mas acaba indo embora, não sem antes de lhe fazer um afago no rosto. Ele ainda tinha esperanças de reatar seu romance com ela. Um romance que ela ainda ignorava existir e que ele não queria revelar para não forçá-la a nada. Queria que as coisas acontecessem naturalmente. Como da última vez.

      Sarah o vê partindo e passa a mão no rosto no local onde recebera o carinho. Fecha os olhos e tem uma estranha sensação de já ter sentido o perfume do capitão outras vezes. Um forte rubor tomou conta de sua face e um calor maior do resto do corpo. Isto a assustou. Precisaria falar com a doutora T´Vel urgentemente.