FRENTE DE BATALHA A TRILOGIA
Fazendo Linguiças – Parte II da Trilogia.
As aventuras do Capitão Dorian Alkon na linha de frente do Quadrante Gamma.
Por Marcos De Chiara
PARTE SEIS
USS
Albedo
Doca
Interna - Base 375
Klag estava em seus aposentos usando um terminal de
computador. Lia uma mensagem que lhe fora enviada secretamente, pois, para
todos os efeitos, ele não mais existia. Contudo ele precisava saber como estavam
seus parentes em Q´NoS. Sobretudo ele precisava confirmar o quão era verdadeira
a visão que tivera em seu ritual de Maj´Qa do ano passado.[1]
Pela cara que fazia não estava gostando nada do que estava lendo. De repente a
campainha do seu alojamento tocou. Não podia imaginar quem poderia ser àquela
hora. Certificou-se em apagar a mensagem e desligar o monitor. Ajeitou o seu
robe apertando bem a faixa em sua cintura, caminhou até a porta e abriu-a. Era
a tenente Allison Saint-John com uma fisionomia preocupada.
- Oi Grandão. Posso entrar? – disse ela
amigavelmente.
Klag não gostava que o chamassem por apelidos. Na
verdade ele não era dado a intimidades com qualquer tripulante à bordo. Todavia
permitia esta liberdade à Allison porque passou a considerá-la como amiga e por
estar em dívida de honra com ela por não ter conseguido protegê-la devidamente
quando estiveram juntos em sua primeira missão.[2]
Vez por outra Allison procurava se aconselhar com ele. Parecia que ela o via
como um guerreiro experiente e capaz de dar bons conselhos. Ele havia sido a
primeira pessoa que ela tivera contato quando há dois anos atrás foram
comissionados na USS Babel e desde então se tornaram amigos. Na verdade ele
poderia dizer que ela era a sua única amiga à bordo. Os outros eles
simplesmente respeitava como companheiros de farda.
- Está meio tarde, tenente, o que quer? – disse ele
em meio a um grunhido de insatisfação.
- Você é tão receptivo... – ironizou a jovem – Estou
sem sono e preciso conversar com alguém.
- Creio que o tenente McCormick seria todo ouvidos.
– disse se referindo a relação que havia entre os dois.
Allison sorriu e o encarou como se estivesse dizendo
com os olhos: “Você vai me deixar entrar ou não?”
- Entre. – disse ele finalmente desobstruindo a
porta. Allison passou por ele cabisbaixa. Enrolou o cabelo e ficou parada
olhando ao seu redor. Os alojamentos da Albedo não eram tão grandes quanto o da
classe Akira ou de uma classe Galaxy, mas eram confortáveis. Pelo menos os dos
oficiais superiores. Consistia em uma pequena saleta com duas poltronas, um
pequeno sofá, uma mesa com duas cadeiras para fazer as refeições, com um
sintetizador de alimentos na parede e um quarto contíguo que era uma suíte.
Neste havia uma cama, um pequeno armário embutido, uma bancada com uma cadeira
e um monitor .
A jovem tenente ainda tentava buscar as palavras
certas para iniciar a conversa.
Klag postou-se a sua frente e procurou iniciar um
diálogo.
- Para quem queria conversar você está muito calada.
- É que eu não sei por onde começar.
- Escute, tenente...Eu não sou um bom ouvinte nem
conselheiro. Talvez fosse melhor procurar a doutora T´Vel.
- Não. Ela também não serve. Preciso do ponto de
vista klingon.
- Bom, neste caso parece que sou o mais indicado. –
Klag era o único klingon à bordo da nave. – Sente-se. – convidou-a sem ter
outra alternativa.
- Obrigada.
Klag sentou-se na poltrona à sua frente e perguntou:
- Do que se trata?
- É sobre esta missão para a qual estão nos
preparando. Estou um pouco apreensiva quanto à ela.
- Até onde eu sei , ela foi cancelada.
- Zagar escutou que nos mandarão mesmo assim. Temo
ser uma armadilha preparada pelo Dominion. Acho que estou ficando meio
paranóica.
O jovem elaysiano oficial de comunicações deveria
ser transferido para a inteligência da Frota. Daria um ótimo espião.
- Quando ele escutou isso? – perguntou curioso.
- Não sei, mas se for verdade, o que faremos?
- Executaremos a missão conforme fomos treinados. –
respondeu com firmeza. Porém Klag não sentiu confiança na jovem. Resolveu que
deveria encorajá-la.
- Você é uma oficial treinada. O seu rendimento no
simulador foi satisfatório. Não há o que temer.
- Você diz isso porque tem alma de guerreiro. Eu
não. Eu gosto de pilotar naves. É o que sei fazer de melhor. Não me sinto bem
atirando em outros seres vivos. Eu respeito a vida. Seja de quem for. Eu queria
saber de você como é possível não se importar com as vidas de quem você irá
destruir ?
Klag notou a visão errada que sua colega possuía
dele e da cultura klingon.
- Tenente...Um guerreiro klingon valoriza a vida de
seu oponente. Se, em batalha, ele tiver que tomar a sua vida, isto será um
privilégio para ele. Não há honra em matar fracos ou inocentes. Se um guerreiro
tiver que matar alguém, este será um outro guerreiro que, por sua vez, está disposto
a morrer para defender sua posição ou
seu ideal.
- Então é só eu pensar que o cara está lá para me
matar, então agirei em legítima defesa, é isso? Parece ser uma boa desculpa.
Oh, meu Deus! Não sei se serei capaz... – Allison abaixa a cabeça e esconde a
face entre as mãos.
- Você nunca matou ninguém em combate corpo-a-corpo,
não é mesmo?
- Bom...Você sabe...Já estive em batalhas
antes...Como a do ano passado, mas não é a mesma coisa. Eu estava em uma nave
e... – ela fez uma pausa – Não. Nunca. – respondeu finalmente.
- Se você está insegura eu posso falar com o capitão
e ...
- Não, não. Não quero decepcioná-lo. Ele já se
arriscou tanto por nós.
- O caso é que você poderá colocar a missão em
risco. Se hesitar no campo de batalha isto comprometerá a vida de um
companheiro. Por acaso não está assim por causa do seu relacionamento com o
tenente McCormick está? – perguntou Klag sem temer em ser indiscreto.
- Não. Eu sei que ele sabe se cuidar. Desculpe ter
incomodado. – diz ela se levantando – Devo estar com TPB.
- TPB? – Klag não entendera do que a tenente estava
falando.
- Tensão pré-batalha. Talvez você esteja certo. Acho
melhor procurar a doutora T´Vel. Talvez ela possa me dar alguma coisa...
- Coragem não vem em hiposprays. Você terá que
consegui-la de dentro de você mesmo. – ponderou Klag.
Allison sorriu e abraçou o amigo. Tal atitude
surpreendeu o aparente insensível klingon.
- Sabe Klag eu o considero um amigo e sua opinião é
muito importante para mim, você sabe. Obrigada pelos conselhos. Vou refletir sobre
tudo que me disse. Sei que para ser uma guerreira eu vou precisar querer ser
uma. Vai ser difícil, mas vou tentar. – Allison caminhou até a porta e parou
quando ela abriu. Respirou fundo, hesitou por um momento, mas acabou seguindo o
caminho de volta à sua cabine.
Klag ficou satisfeito em saber o quanto Allison o
considerava. Era mais um laço que o prendia àquela nave e àquelas pessoas. Isto
talvez o distanciasse mais ainda de seu planeta natal e de Lurga, seu amor.
Alkon estava sozinho na ponte da Albedo tomando uma
xícara de café e olhando para a tela principal desligada quando a doutora T´Vel
apareceu. Alkon a cumprimentou sem sequer olhar para ela.
- Olá doutora. Está sem sono também?
- Vejo que suas habilidades psi estão se
desenvolvendo. Estava à sua procura...
- Para saber como estou me portando quanto ao
progresso de Sarah.
- Prefere continuar a conversa por telepatia? Creio
que possa fazê-lo apesar de não praticar a algum tempo. – disse a doutora com
certa ironia ao perceber que havia sido invadida mentalmente. Isto era uma
grande ofensa para os vulcanos.
- Desculpe a amargura. Não pretendia ler seus
pensamentos. É que às vezes eles me são tão audíveis que é impossível
bloqueá-los. Principalmente sem a medicação que eu tomava. Estou preocupado com
a missão.
- Como já sabe eu, ao contrário, não estou
preocupada com isso agora. É sobre o seu comportamento para com a comandante
que eu vim discutir. Por que você sempre arranja uma desculpa para não vê-la e
quando está com ela arranja outra para ir embora o mais rápido possível? –
T´Vel se sentou na cadeira de comando ao seu lado.
Alkon achava que ninguém perceberia isto. É claro
que ele subestimara o poder de percepção da doutora.
- Eu olho para ela e não vejo mais a minha Sarah.
Ela é uma estranha para mim. É muito doloroso perceber que o que tínhamos
juntos...Acabou.
- Não, não acabou. O amor que vocês sentem um pelo
outro ainda está lá no fundo da mente dela. Algum dia ele irá reaparecer.
Alkon levantou-se e caminhou pela ponte, olhou
alguns instrumentos e por fim encarou a doutora.
- Quando? – perguntou o capitão.
- Impossível precisar. Eu e o doutor acreditamos que
ela poderá recompor os seus engrams perdidos. A terapia neuronal que
desenvolvemos está recuperando antigas conexões a cada dia. Pelo menos a
maioria delas. Levará algum tempo, é claro, mas a nossa Sarah Okaido
reaparecerá.
- Que os deuses assim queiram! – diz Alkon com
alguma esperança..
- Quanto ao amor de vocês dois... Se a chama não for
alimentada ela se apagará. – diz a doutora taxativamente.
- Talvez. Mas no momento prefiro ficar um pouco
afastado.
- Não creio que seja a melhor estratégia. – pondera
a doutora.
- Será menos doloroso. No início eu achei que
poderia suportar a indiferença dela para comigo, mas ainda me incomoda muito.
Além do mais preciso me concentrar na missão. Eu ficarei na retaguarda
monitorando as equipes quando gostaria de estar com eles.
- A angústia é muito comum nessa situação. Lembre-se
que você está emocionalmente mais sensível desde a retirada de seu supressor
químico. Suas emoções demorarão a se estabilizar, contudo você deve evitar se
isolar. Você só conseguirá uma gastrite com isso.
- Uma gastrite é o menor dos meus problemas agora.
Estou preste a enviar os meus melhores oficiais em uma missão que pode ser
suicida. A incerteza do que pode acontecer não é algo que me agrade.
- Estas pessoas que você enviará... Você têm alguma
dúvida sobre a capacidade deles?
- O time ouro e prata foram formados por Sarah e
Klag. Eles são os melhores. Sei bem do que eles são capazes. O que me incomoda
é não conhecer assim tão bem o inimigo.
- Quando eles irão?
- Daqui a três dias. Os treinamentos acabaram. Uma
nave estará vindo para cá a fim de nos dar suporte na missão. Me disseram que é
uma nave de combate experimental, a USS Protheus. Assim que ela aportar
e se abastecer partiremos para o quadrante gamma. Isto é confidencial. Só
informarei a todos sobre a missão um dia antes.
- Pode deixar capitão. Sei manter segredo. Então
mandarão uma escolta, hein? O alto
comando está esperando um grande perigo desta vez.
- Estamos sempre em perigo quando se trata do
Dominion. Afinal estaremos “brincando no seu quintal” sem sermos convidados.
Ainda tem a questão que os klingons voltaram atrás do tratado de Khitomer e os
cardassianos podem estar se alinhando para o Dominion para se protegerem dos
klingons.
- Parece ser a solução mais lógica para eles. Se
isto vier a ocorrer Bajor e a Federação terão problemas.
- As coisas irão ferver por aqui, isto é certo. O
comando da Frota acha que este informante misterioso que teremos que resgatar
possui informações cruciais que poderão
nos ajudar a montar uma melhor defesa e evitar o avanço das forças do Dominion.
- É. Isto tudo é um bom motivo para uma gastrite.
Vamos torcer para que logremos sucesso.
Mas não se esqueça de sua outra missão. – disse procurando relembrar o capitão
de seu compromisso com Sarah – Boa noite, capitão. – T´Vel deixou a ponte.
Alkon terminou de beber o seu chá enquanto pensava
no que a doutora lhe dissera. Voltou a fitar a tela principal e a tentar
alcançar a mente de Sarah. Pôde vê-la dormindo em seus aposentos, mas parecia
haver um muro bloqueando o seu elo telepático. Estava inseguro quanto a
expressar seus sentimentos. Já fora difícil da primeira vez e não estava sendo mais
fácil agora. Como poderia fazê-la acreditar novamente em seu amor?
Levantou-se e deixou sua xícara sobre o console de
navegação antes de pegar o turbo elevador para ir ao seu alojamento. Durante o
caminho não conseguia parar de pensar em Sarah. Ao chegar em sua cabine retirou
seu uniforme e se dirigiu para o banheiro para tomar uma ducha. Enquanto se
banhava a única imagem que lhe vinha à mente era a do rosto de Sarah. Ele não
conseguia evitar. Era a sua obsessão. E ela estava atrapalhando os seus deveres
como capitão. Tinha que se concentrar na missão. Ela deveria ser sua real e
única preocupação. Isto estava dando uma dor de cabeça danada.
Saiu do banho, secou-se e vestiu o seu roupão.
Caminhou até o sintetizador e pediu um leite quente. Isto o ajudaria a dormir
uma vez que os calmantes estavam proibidos, pois afetavam o seu parato-córtex e
conseqüentemente suas habilidades psíquicas.
Sentou-se no chão, próximo a sua cama, e começou a
exercitar uma técnica de relaxamento mental que T´Vel o ensinava. Aos poucos a
imagem de Sarah na sua mente foi substituída por um céu límpido e claro, depois
uma praia, um campo florido e por fim a quietude do espaço iluminado por
estrelas distantes. O sono foi dominando o seu corpo e acabou adormecendo ali
mesmo onde estava.
Não muito longe dali, na cabine de Sarah, entre um
murmúrio e outro sob a coberta, ela dizia : Dorian...Dorian...Dorian...